A mostra "Tramas e Tecituras" reúne artistas que lidam com uma materialidade tão peculiar quanto diversa. O que chamamos de têxtil pode abarcar tapeçarias, costuras, bordados, crochês e tricôs, e todo tipo de apropriação e manipulação de tecidos e materiais maleáveis, de produção artesanal e industrial. A peculiaridade deste campo reside, contudo, não na abundância de meios e suportes possíveis, mas na histórica desvalorização da atividade manual associada a essa produção. Termos como "doméstico", "feminino", "artesanal", entre tantos outros, foram frequentemente associados a tudo que se relacionava ao têxtil, com raríssimas exceções.  

Se, durante a Idade Média, a tapeçaria representava uma grande parcela da produção visual (ao lado das iluminuras, principalmente), no Renascimento houve uma espécie de virada de jogo das corporações de ofício associadas à pintura (na época, resumida sobretudo aos afrescos e retábulos). Em reinterpretações livres e distorcidas dos valores gregos associados à arte, o pensamento renascentista tardio (entre o fim do século XV e o início do XVI) estabeleceu uma certa hierarquia entre artes chamadas maiores (pintura, escultura, arquitetura, ancoradas no desenho) e artes consideradas menores (tudo que seria mais manual ou seriado, como a gravura, a cerâmica e, claro, a tapeçaria). Essa divisão anacrônica separava "belas artes", supostamente superiores, das artes "aplicadas" ou "decorativas" – como se pinturas e esculturas não pudessem ser, também, usadas como adorno em igrejas, palácios e residências.  

Todo esse movimento articulou-se a partir do surgimento das instituições de ensino de arte, as Academias, que passaram a ditar as bases da formação artística e o que seria aceitável e valorizado como tema e técnica. Por sorte, o século XIX viu surgir na Inglaterra o princípio de uma reversão desse processo segregatório. "Arts and Crafts" foi um movimento liderado por William Morris que desejava resgatar a manualidade e a artesania junto às belas artes, em detrimentos da produção industrial, seriada e de massa. A proximidade igualitária entre as linguagens “maiores” e “menores” teve seu ápice em iniciativas futuras como a Bauhaus, na Alemanha, ou a Vkhutemas, na Rússia – escolas de artes e design que abandonaram a hierarquia entre belas artes e artes aplicadas, defendendo que artistas eram artesãos e vice-versa. Por trás de todos esses movimentos e escolas estava a simples ideia, potente e revolucionária, de que utilitários também poderiam ser arte.  

No Brasil, e na América Latina em geral, a superação dessa dicotomia obsoleta demorou a acontecer. A tradição da produção têxtil dos povos originários do continente deve ter contribuído, e muito, para que essa estratificação fosse mantida, já que a colonização impunha valores europeus tradicionais ao território americano, e tudo que fosse local era automaticamente considerado inferior. Mesmo com os processos de independências nacionais e a revolução moderna na arte europeia, as ex-colônias continuavam sustentando os antigos fundamentos coloniais. 

Foi apenas na produção contemporânea que essa cisão começou efetivamente a ser remendada, ainda que o atrasado arcabouço hierárquico ocasionalmente atravesse parte da crítica, do mercado e do ensino. Felizmente, a ideia de que a manualidade têxtil pode ser tão potente e rica quanto qualquer outro suporte – e, mais, que compartilha de princípios inerentes à pictorialidade, à volumetria, à escrita e à instalação – se populariza exponencialmente, vistos os copiosos exemplos em mostras globais recentes como a Documenta de Kassel e a Bienal de Veneza. 

Assim, essa exposição une produções que superaram essa divisão histórica, abarcando desde bandeiras vudu a grandes montagens fotográficas bordadas, passando por instrumentos ritualísticos religiosos, pela apropriação de vestuários e tecidos coloridos produzidos industrialmente – seja em chaves pictórico-abstratas, seja em articulações instalativas –, e também por esculturas moles, pela ligação do texto com o tecido, chegando na própria fatura artesanal das tramas manuais, como o crochê – tão popular nas casas brasileiras. A mostra convida o público a enredar-se nas tramas e a sentir as texturas visuais e simbólicas engendradas nessas obras, se entrelaçando nas histórias contadas por esses e essas artistas. 

Juliana Lima

André Azevedo | Datilográficas, 2022

datilografia em algodão cru, costura e botões

80 x 48 cm

André Azevedo | Datilográficas, 2022

datilografia em algodão cru, costura e botões

80 x 75 cm

Elizabeth Jobim | Sem título, 2021

linho sobre linho costurado

80 x 40 x 5 cm

Elizabeth Jobim | Sem título, série Enlace, 2021

linho sobre linho costurado

160 x 80 x 5 cm

Elizabeth Jobim | Sem título, série Enlace, 2021

linho costurado

40 x 50 x 4 cm

Mariana Palma | Sem título, 2022

bordado sobre fotografia impressa em cetim

247 x 121 cm

Yuli Yamagata | Sem título, 2021

elastano, linha de costura, fibra siliconada e feltro s/ chassi

50 x 40 x 6 cm

Martín Soto Climent | A Vibração Luminosa da Borboleta Branca, 2022

conjunto de 4 painéis de meia-calça, acrilico e alumínio montado em moldura de cedro vermelho

64 x 187 x 15 cm (cada painel)

Ernesto Neto | Sem título, 2021

crochet de polypropylene, polyester e madeira

229,9 x 229,9 cm

Mariana Palma | Sem título, 2022

bordado sobre fotografia impressão em cetim

82 x 80 cm

Georges Valris | Sem título, s/ data

bordado

56 x 55 cm

James Recule | Sem título, s/ data

bordado

80 x 59 cm

Mestre Didi | Opa Ose - Cetro da dinastia e ancestralidade, 2007

técnica mista

184 x 20 x 20 cm

Georges Valris | Sem título, s/ data

bordado

61 x 46 cm

X
ID: 20
André Azevedo | Datilográficas, 2022
datilografia em algodão cru, costura e botões
80 x 48 cm





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ID: 21
André Azevedo | Datilográficas, 2022
datilografia em algodão cru, costura e botões
80 x 75 cm





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ID: 22
Elizabeth Jobim | Sem título, 2021
linho sobre linho costurado
80 x 40 x 5 cm





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ID: 23
Elizabeth Jobim | Sem título, série Enlace, 2021
linho sobre linho costurado
160 x 80 x 5 cm





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ID: 24
Elizabeth Jobim | Sem título, série Enlace, 2021
linho costurado
40 x 50 x 4 cm





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ID: 25
Mariana Palma | Sem título, 2022
bordado sobre fotografia impressa em cetim
247 x 121 cm





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ID: 26
Yuli Yamagata | Sem título, 2021
elastano, linha de costura, fibra siliconada e feltro s/ chassi
50 x 40 x 6 cm





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ID: 27
Martín Soto Climent | A Vibração Luminosa da Borboleta Branca, 2022
conjunto de 4 painéis de meia-calça, acrilico e alumínio montado em moldura de cedro vermelho
64 x 187 x 15 cm (cada painel)





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ID: 28
Ernesto Neto | Sem título, 2021
crochet de polypropylene, polyester e madeira
229,9 x 229,9 cm





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ID: 29
Mariana Palma | Sem título, 2022
bordado sobre fotografia impressão em cetim
82 x 80 cm





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ID: 30
Georges Valris | Sem título, s/ data
bordado
56 x 55 cm





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ID: 31
James Recule | Sem título, s/ data
bordado
80 x 59 cm





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ID: 32
Mestre Didi | Opa Ose - Cetro da dinastia e ancestralidade, 2007
técnica mista
184 x 20 x 20 cm





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ID: 33
Georges Valris | Sem título, s/ data
bordado
61 x 46 cm





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